Wednesday, December 12, 2007

Texto que publiquei no Jornal de Notícias no passado domingo 9 de Dezembro:

Vai a Igreja agir?
Alfredo Dinis
O texto da recente mensagem do Papa aos bispos portugueses tem sido interpretado de diversas formas. Muitos comentadores têm sublinhado o carácter crítico do texto papal em relação à Igreja portuguesa. Outros, incluindo os próprios bispos, vêem naquele texto um encorajamento que receberam para continuar um caminho de inovação que sempre desejaram percorrer, mas que encontra não poucos obstáculos.
Independentemente das diferenças de leitura do texto, todos parecem estar de acordo com um facto os cristãos portugueses - leigos, bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas -, não podem continuar a trilhar simplesmente os caminhos do passado, a manter acriticamente as tradições dos seus antepassados simplesmente por serem tradições, a investir tempo, energias e dinheiro em manifestações de religiosidade que tocam quase só a esfera emocional, devocional e intimista, mas deixam intocada a dimensão da responsabilização pela transformação do Mundo, uma responsabilização que torne insuportável a existência da injustiça, da discriminação, da pobreza e da mentira.
Algumas pessoas começaram já a perguntar vai tudo ficar na mesma, depois do discurso do Papa? Vai a Igreja agir? Quem vai fazer alguma coisa para que alguma coisa mude, realmente? Serão apenas os bispos? Serão apenas os padres? Se assim fosse, estaríamos a contradizer o Papa, que pede um maior envolvimento dos leigos na vida da Igreja. Há pois que fazer uma reflexão comunitária séria sobre a Igreja que somos e sobre a Igreja que queremos ser. Há decisões a tomar. Há mudanças que é urgente fazer. Há questões que não devemos recear levantar, pelas quais nos devemos deixar desafiar permanentemente.
Por exemplo:- qual o espaço que pertence aos leigos na Igreja e que estes ainda não ocuparam? Que obstáculos existem que impedem a sua participação mais activa nas igrejas locais?- o que é preciso mudar na mentalidade dos actuais padres e na formação dos futuros padres?- em que medida a actual falta de padres é reveladora da necessidade de um novo modelo de Igreja?- será adequada a actual educação cristã das crianças e dos jovens?- qual o lugar e a voz dos jovens nas comunidades cristãs?- o que deve ser mudado na actual estrutura da Igreja, nomeadamente ao nível paroquial?- que sentido têm nos dias de hoje as diferentes formas de vida religiosa? Em que devem mudar?- o que há a mudar nas celebrações litúrgicas?- o que deve ser mudado em celebrações tão importantes como são o Natal e a ressurreição de Cristo, para que tenham impacto na vida real das pessoas e das comunidades?- como deve ser encarada construtiva, mas criticamente, a religiosidade popular?- o que devem fazer os cristãos para se empenhar a sério no diálogo com a cultura do nosso tempo, fortemente marcada pela Ciência e pela Tecnologia?- como se responsabilizam os cristãos na transformação profética de uma sociedade onde se encontra tanta injustiça, pobreza e mentira? Como entendem a sua participação activa na vida política, no desmascaramento do política e socialmente correcto?- de que forma poderão os cristãos empenhar-se mais apaixonadamente nas grandes causas da Humanidade na sua luta contra a discriminação da mulher e das minorias, contra o economicismo, por soluções urgentes da questão ecológica, do subdesenvolvimento de tantos povos?- qual a função dos teólogos na vida da Igreja em geral e das comunidades cristãs, em particular? O que podemos esperar deles? O que devemos pedir-lhes? O que deve mudar na teologia?
Estas são apenas algumas das questões sobre as quais é urgente reflectir e agir, sob pena de o cristianismo se tornar cada vez mais um conjunto de crenças sem consequências na vida real das pessoas e das comunidades, e sem relevância para a construção de uma sociedade mais humana.* Padre Jesuíta e director da Faculdade de Filosofia de Braga


Saturday, November 03, 2007

estes dualismos que nos perseguem...

Até que ponto os dualismos que utilizamos para pensar e ‘arrumar o(s) nosso(s) mundo(s) correspondem a realidades igualmente duais ou não passam de formas de entendermos o mundo e nos entendermos quando comunicamos? Correspondem apenas a uma realidade construída pelos seres humanos por uma questão prática ou de conveniência, ou correspondem a alguma realidade objectiva que se nos impõe? Poderemos dispensar esses dualismos? Se não, porquê? Se sim, com que consequências?

Às quartas-feiras, das 18h às 19h, encontrar-se-ão na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa quantos estiverem interessados nos debates que constituem um Seminário intitulado 'estes dualismos que nos perseguem'. Antes de cada encontro, poderá ser colocado no blog www.dualismos.blogspot.com um texto que estimule o interesse e a discussão que continuará depois no local dos encontros. Quem não puder estar presente poderá sempre entrar nos debates através do blog.

CORPO-ALMA O primeiro encontro do Seminário estes dualismos que nos perseguem terá lugar no próximo dia 14 na Faculdade de Filosofia, das 18h às 19h. Corpo-alma é o primeiro dualismo em análise. Alfredo Dinis, que animará o debate em torno deste dualismo deixa aqui um texto de Joseph Ratzinger retirado da obra Introdução ao Cristianismo, que servirá de referência para a reflexão, e sobre o qual se poderão desde já tecer considerações neste blog, as quais serão tidas em conta durante o debate.

"A concepção grega parte do princípio de que o ser humano é formado por duas substâncias originalmente estranhas entre si, sendo uma (o corpo) perecível e a outra (a alma) imperecível, de modo que esta última continua a existir independentemente de qualquer outro ser. Na realidade, só a separação do corpo, que lhe é estranho, abriria à alma a possibilidade de ser ela mesma. O raciocínio bíblico, pelo contrário, pressupõe a unidade indivisa do ser humano, tanto assim que a Bíblia nem tem uma palavra para designar apenas o corpo (separado e distinto da alma); por outro lado, o termo ‘alma’refere-se, na grande maioria dos casos, ao ser humano inteiro, tal como ele existe com a sua corporalidade (…)A imortalidade não é fruto da evidente impossibilidade do ser indivisível para morrer, mas sim da acção salvadora do amante que tem o poder para o fazer: o ser humano já não pode findar totalmente, porque é conhecido e amado por Deus. Se todo o amor aspira à eternidade, o amor de Deus não só aspira a ela, como cria e é a eternidade (…)Ao contrário da concepção dualista da imortalidade, que encontra a sua expressão no esquema grego do corpo e da alma, a fórmula bíblica da imortalidade pretende transmitir uma ideia dialogal que abrange o ser humano como um todo: a essência do ser humano, a pessoa, continuará a existir; aquilo que amadureceu durante a existência terrena de espiritualidade corporificada e de corporalidade espiritualizada continuará a existir de outra maneira. E a sua existência prossegue porque vive na memória de Deus (…)‘Ter alma espiritual’ quer dizer exactamente ser querido, conhecido e amado de modo especial por Deus; ter alma espiritual significa ser-se alguém que é chamado por Deus para um diálogo eterno e que, por isso, é capaz, por sua vez, de conhecer Deus e de lhe responder. Aquilo a que, numa linguagem mais substancialista, chamamos ‘ter alma’, passamos a chamar, numa linguagem mais histórica e actual, ‘ser interlocutor de Deus’.(…)De resto, neste ponto mostra-se claramente que é impossível, em última análise, fazer uma distinção clara entre ‘natural’ e ‘sobrenatural’.Joseph Ratzinger, Introdução ao Cristianismo,São João do Estoril: Principia, 2005, pp. 254-260.